DÁ-ME TUAS MÃOS (SONHAR?)
Queria reter a plenitude do sonho quando acordo. Reter todas as cenas, as fisionomias – que sempre são únicas, a cada vez ... reter todas as falas descompassadas, absorver palavra a palavra , todas as minúcias do que vi [vivi]. Mas desperto, sempre desperto na hora imprópria, no desacerto de todas as coisas...e tudo o que vejo é um teto cor de nada, inóspito, que me usurpa as estrelas, que me encarcera nesta sensação de vazio, de impotência. Porque insisto tanto em buscar teu rosto, esquadrinhar o menor traço?
Dá-me tuas mãos, peço-te. Protela o teu rosto se quiseres, fecha teus ouvidos às minhas insanidades, mas antes dá-me tuas mãos. Não as mãos de agora, impassíveis e mudas, mas as de outrora, desarmadas e ilimitadas, que não conheciam arestas e nem a desagregação das horas, que não fatiavam o amor. Se as peço-te assim com fervor, como última súplica guardada, é porque bem sei que só elas podem me retirar desse desassossego, desse mísero espaço vazio delimitado por um teto cor de nada e paredes taciturnas. Sei, é certo, que esse silêncio enfático não me permite sofismar a realidade, não posso descer a ladeira das abstrações. Estou desperta, é fato. Não tenho teu rosto, tampouco tuas mãos. Jamais os terei de volta. Já agora, não posso lançar-me à cata de subterfúgios, não há mais tempo para uma atitude de salvaguarda.
Reter a plenitude do sonho? Queria? Já não quero mais. Não quero adormecer, agora isto também é certo. Não quero passar novamente por esse processo. Sonhar. Não quero mais sonhar com você... não quero mais guardar essa sensação obtusa de mãos vazias ao acordar, de um rosto encoberto e de mãos que pareciam afagar. Quero algo indolor, alçar-me a uma condição ou estado em que não haja qualquer resquício da sua presença. Quero esquecer. Urge te esquecer. Evidentemente que algo indolor tem o seu preço, preço de ouro. E o silêncio enfático, ousado e provocador, diz-me: “Ser-te-ão subtraídas as estrelas, apagadas as distâncias , as trilhas e caminhos que te levavam a elas, não guardarás o segundo do entreabrir das flores, nem a claridade do sorriso já conhecido, tampouco guardarás a textura inconfundível dessas mãos amigas..É o preço, minha cara, está disposta?” Parece inverossímil, mas eu paguei o preço, supervalorizei até. E a vida, irônica, me devolveu o troco devido, por intermédio – é claro – desse mesmo negociante silêncio provocador: restou tua voz dizendo, cheia de si e de razão, “A paixão acaba, mas o amor permanece.” Eis a quitação que me foi devida. E o silêncio apenas ri.
(Adriana Bizzotto)
sábado, 15 de dezembro de 2012
sábado, 1 de setembro de 2012
TALVEZ
Talvez eu devesse ser menos intimista
Viver menos à tangente
Sorver a vida em brandos goles de concreto
Dispersar minhas abstrações
Dissecar as incertezas que me cercam
Extrair com fino trato todas as minhas sutilezas
Guardá-las como se guarda o segredo interpretado
E nunca mais expôs-las à mesa
Talvez eu devesse ser menos evidente
Recolher as peças do tabuleiro
Encarcerar a rainha, observar o movimento preciso da torre
Render-me silente ao anunciado “xeque-mate”
Quiçá um dia eu seja menos poética
Veja menos estrela cadente
E quem sabe assim, um dia,
Meus versos possam ser mais convincentes...
Adriana Bizzotto
Dissecar as incertezas que me cercam
Extrair com fino trato todas as minhas sutilezas
Guardá-las como se guarda o segredo interpretado
E nunca mais expôs-las à mesa
Talvez eu devesse ser menos evidente
Recolher as peças do tabuleiro
Encarcerar a rainha, observar o movimento preciso da torre
Render-me silente ao anunciado “xeque-mate”
Quiçá um dia eu seja menos poética
Veja menos estrela cadente
E quem sabe assim, um dia,
Meus versos possam ser mais convincentes...
Adriana Bizzotto
segunda-feira, 27 de agosto de 2012
ENSEADA
Retenho a força anímica dos teus olhos
Enseada onde aporto minhas memórias esparsas
E me entrego à deriva, aos pensamentos sem velas e bússolas
Na proa das minhas incertezas, algo resiste, persiste
E teus olhos novamente me prendem tal qual força sobre-humanaDesconsertam-me e minhas verdades são então refutadas, rendidas
E assim adentro o mar aberto das lembranças
Despida de todas as minhas pórticas certezas, da minha vaga noção de realidade
Surjo absolutamente cativa, e tudo o mais é nada diante dessa força anímica
Enseada de doce miragem
Que tudo possa ser, quiçá...
infini aussi longtemps qu’il durera !
A MENINA
A menina espreita a púrpura do poente
Descortina a janela da vida
E tudo é vasto, tudo é sutil movimento
O som do vento propaga acordes indefectíveis
Em notas cadenciadas de reverência
E a menina espreita
O mistério solene da vida, a perfeição do momento
Tudo se entrelaça de modo singular,
Desde o vôo do pássaro à imponente correnteza
Tudo é impulso natural, em majestoso movimento
E a menina espreita
Todas as coisas são únicas no átimo de um segundo
E a fugacidade do tempo não permite a repetição do quadro
Eis a fragilidade exposta, doce mistério
E a menina espreita
Um dia alguém vai lhe dizer que sol e lua não andam juntos
Do gesto inútil de tentar abraçar o intangível
O tempo não conhece paredes
Mas ainda assim a menina espreita
domingo, 26 de agosto de 2012
ENSAIO
Este meu ensaio é curto, contrito de saudade
E neste arremedo de realidade, vivo assim:
Absorta no traçado das linhas, tentando tecer com letras o inexprimível
Rendo-me, jamais conseguirei descrever com absoluta precisão o delinear do teu sorriso, dos resolutos gestos
Só resta-me agora o derradeiro ato :
Sair de cena, desvencilhar-me da memória, desistir desta luta inglória com os traçados, e o mais improvável:
Tornar este ensaio mais conciso e furtivo do que deveria ser.
quarta-feira, 25 de julho de 2012
ESCREVER...
Fica aqui minha homenagem...não resisti...rs
Sempre me ocorreu que escrever é um ato de urgência, uma latência constante que só encontra alento no encontro súbito da mão com o instrumento compassivo que se rende com absoluta precisão na curvatura das letras.
Não, minto. Escrever não é um alento, é antes desconcerto, o encontro com o imponderável, é desatar os nós que envolvem a inquietude em degredo, é imprevisível, é transe.
Escrever é pretensão absurda, síndrome aguda de onipotência, é querer encerrar em letras aquilo que é inominável, que só se chega através do tato, do sentir.
Comparo o ato da escrita ao de desvelar segredos, expor à nudez o incorpóreo.
Escrever é o duelo entre o profano e o sagrado, ambos saem rendidos, floresce o ser em seu estado límpido, verdadeiro. Aquilo que apenas é.
Escrever é como a dança mística, envolve, alucina, transcende a realidade. É o fogo ressuscitado de anseios incompreensíveis.
É o ato imperfeito, o jogo intrincado de palavras que nunca atendem ao que delas se espera, é a busca vã.
Escrever é como render-se ao beijo premeditado, é ser traído de bom grado. É sentir com os poros, romper comportas, é dar à luz ao que há cá dentro.
É um ato insano, outrora lúcido, é sublime, outrora vil, é apogeu, outrora decadência. É a conjunção das antíteses de todas as coisas vividas e não vividas.
Escrever é um ato visceral, é sobre-humano e absurdamente humano ao mesmo tempo, é elevar-se ao Olimpo em instantes e descer à terra em segundos na condição de reles mortal. É vida, é morte.
O ato de escrever é como o rio que corre em desabridas correntezas, onde as probabilidades de naufrágio e chegada segura são exatamente idênticas.
domingo, 15 de julho de 2012
TEMPO, TEMPUS
Tempo,
Tempus
O que rege
as manhãs
Esse gosto
de anis
Que eterniza
as paisagens e o pássaro que nunca esqueci
Tempo,
tempus
Adversário
cordato
Que navega a
nosso malgrado
À deriva do
coração
Tempo,
tempus,
Que
aprisiona meu pensamento [ onde já não mais posso estar]
Feito ardil
bem tramado
De um
sentimento descompassado
Tempo,
tempus,
Que guarda
os semblantes e fatos inacabados
O que
outrora descumpriu o pacto
Revigorando
lembranças adormecidas
Tempo,
tempus
Ainda quando
me submete ao crivo da razão
Frente às memórias despertas
Não me deixa
escolhas sensatas às mãos
Tempo,
tempus
Se o pendor
de tua atuação
É prender-me
no labirinto de lembranças enternecidas
Posto-me
rendida então
O pássaro
errante voa livre e desperto
A loucura
não foi em vão.
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