sábado, 15 de dezembro de 2012

DÁ-ME TUAS MÃOS (SONHAR?)

DÁ-ME TUAS MÃOS (SONHAR?)

Queria reter a plenitude do sonho quando acordo. Reter todas as cenas, as fisionomias – que sempre são únicas, a cada vez ... reter todas as falas descompassadas, absorver palavra a palavra , todas as minúcias do que vi [vivi]. Mas desperto, sempre desperto na hora imprópria, no desacerto de todas as coisas...e tudo o que vejo é um teto cor de nada, inóspito, que me usurpa as estrelas, que me encarcera nesta sensação de vazio, de impotência. Porque insisto tanto em buscar teu rosto, esquadrinhar o menor traço? 

Dá-me tuas mãos, peço-te. Protela o teu rosto se quiseres, fecha teus ouvidos às minhas insanidades, mas antes dá-me tuas mãos. Não as mãos de agora, impassíveis e mudas, mas as de outrora, desarmadas e ilimitadas, que não conheciam arestas e nem a desagregação das horas, que não fatiavam o amor. Se as peço-te assim com fervor, como última súplica guardada, é porque bem sei que só elas podem me retirar desse desassossego, desse mísero espaço vazio delimitado por um teto cor de nada e paredes taciturnas. Sei, é certo, que esse silêncio enfático não me permite sofismar a realidade, não posso descer a ladeira das abstrações. Estou desperta, é fato. Não tenho teu rosto, tampouco tuas mãos. Jamais os terei de volta. Já agora, não posso lançar-me à cata de subterfúgios, não há mais tempo para uma atitude de salvaguarda. 

Reter a plenitude do sonho? Queria? Já não quero mais. Não quero adormecer, agora isto também é certo. Não quero passar novamente por esse processo. Sonhar. Não quero mais sonhar com você... não quero mais guardar essa sensação obtusa de mãos vazias ao acordar, de um rosto encoberto e de mãos que pareciam afagar. Quero algo indolor, alçar-me a uma condição ou estado em que não haja qualquer resquício da sua presença. Quero esquecer. Urge te esquecer. Evidentemente que algo indolor tem o seu preço, preço de ouro. E o silêncio enfático, ousado e provocador, diz-me: “Ser-te-ão subtraídas as estrelas, apagadas as distâncias , as trilhas e caminhos que te levavam a elas, não guardarás o segundo do entreabrir das flores, nem a claridade do sorriso já conhecido, tampouco guardarás a textura inconfundível dessas mãos amigas..É o preço, minha cara, está disposta?” Parece inverossímil, mas eu paguei o preço, supervalorizei até. E a vida, irônica, me devolveu o troco devido, por intermédio – é claro – desse mesmo negociante silêncio provocador: restou tua voz dizendo, cheia de si e de razão, “A paixão acaba, mas o amor permanece.” Eis a quitação que me foi devida. E o silêncio apenas ri.

(Adriana Bizzotto)

sábado, 1 de setembro de 2012

                                                      TALVEZ

  Talvez eu devesse ser menos intimista
  Viver menos à tangente
  Sorver a vida em brandos goles de concreto
  Dispersar minhas abstrações

  Dissecar as incertezas que me cercam
  Extrair com fino trato todas as minhas sutilezas
  Guardá-las como se guarda o segredo interpretado
  E nunca mais expôs-las à mesa

  Talvez eu devesse ser menos evidente
  Recolher as peças do tabuleiro
  Encarcerar a rainha, observar o movimento preciso da torre
  Render-me silente ao anunciado “xeque-mate”

  Quiçá um dia eu seja menos poética
  Veja menos estrela cadente
  E quem sabe assim, um dia,
  Meus versos possam ser mais convincentes...


                                                                             Adriana Bizzotto

segunda-feira, 27 de agosto de 2012







                                     ENSEADA

Retenho a força anímica dos teus olhos
Enseada onde aporto minhas memórias esparsas
E me entrego à deriva, aos pensamentos sem velas e bússolas



Na proa das minhas incertezas, algo resiste, persiste
E teus olhos novamente me prendem tal qual força sobre-humana
Desconsertam-me e minhas verdades são então refutadas, rendidas

E assim adentro o mar aberto das lembranças
Despida de todas as minhas pórticas certezas, da minha vaga noção de realidade
Surjo absolutamente cativa, e tudo o mais é nada diante dessa força anímica

Enseada de doce miragem
Que tudo possa ser, quiçá...

infini aussi longtemps qu’il durera !






                                      A MENINA

              A menina espreita a púrpura do poente

              Descortina a janela da vida 
              E tudo é vasto, tudo é sutil movimento

              O som do vento propaga acordes indefectíveis

              Em notas cadenciadas de reverência
              E a menina espreita
              O mistério solene da vida, a perfeição do momento

              Tudo se entrelaça de modo singular,

              Desde o vôo do pássaro à imponente correnteza
              Tudo é impulso natural, em majestoso movimento
              E a menina espreita

              Todas as coisas são únicas no átimo de um segundo

              E a fugacidade do tempo não permite a repetição do quadro
              Eis a fragilidade exposta, doce mistério
              E a menina espreita

              Um dia alguém vai lhe dizer que sol e lua não andam juntos

              Do gesto inútil de tentar abraçar o intangível
              O tempo não conhece paredes
              Mas ainda assim a menina espreita

domingo, 26 de agosto de 2012








                                            ENSAIO


Este meu ensaio é curto, contrito de saudade
E neste arremedo de realidade, vivo assim:
Absorta no traçado das linhas, tentando tecer com letras o inexprimível
Rendo-me, jamais conseguirei descrever com absoluta precisão o delinear do teu sorriso, dos resolutos gestos
Só resta-me agora o derradeiro ato :
Sair de cena, desvencilhar-me da memória, desistir desta luta inglória com os traçados, e o mais improvável:
Tornar este ensaio mais conciso e furtivo do que deveria ser.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

















ESCREVER...

Hoje é um dia especial...
Fica aqui minha homenagem...não resisti...rs

Sempre me ocorreu que escrever é um ato de urgência, uma latência constante que só encontra alento no encontro súbito da mão com o instrumento compassivo que se rende com absoluta precisão na curvatura das letras.
Não, minto. Escrever não é um alento, é antes desconcerto, o encontro com o imponderável, é desatar os nós que envolvem a inquietude em degredo, é imprevisível, é transe.
Escrever é pretensão absurda, síndrome aguda de onipotência, é querer encerrar em letras aquilo que é inominável, que só se chega através do tato, do sentir.
Comparo o ato da escrita ao de desvelar segredos, expor à nudez o incorpóreo.
Escrever é o duelo entre o profano e o sagrado, ambos saem rendidos, floresce o ser em seu estado límpido, verdadeiro. Aquilo que apenas é.
Escrever é como a dança mística, envolve, alucina, transcende a realidade. É o fogo ressuscitado de anseios incompreensíveis.
É o ato imperfeito, o jogo intrincado de palavras que nunca atendem ao que delas se espera, é a busca vã.
Escrever é como render-se ao beijo premeditado, é ser traído de bom grado. É sentir com os poros, romper comportas, é dar à luz ao que há cá dentro.
É um ato insano, outrora lúcido, é sublime, outrora vil, é apogeu, outrora decadência. É a conjunção das antíteses de todas as coisas vividas e não vividas.
Escrever é um ato visceral, é sobre-humano e absurdamente humano ao mesmo tempo, é elevar-se ao Olimpo em instantes e descer à terra em segundos na condição de reles mortal. É vida, é morte.
O ato de escrever é como o rio que corre em desabridas correntezas, onde as probabilidades de naufrágio e chegada segura são exatamente idênticas.






domingo, 15 de julho de 2012


TEMPO, TEMPUS


Tempo, Tempus

O que rege as manhãs

Esse gosto de anis

Que eterniza as paisagens e o pássaro que nunca esqueci

 
 
Tempo, tempus

Adversário cordato

Que navega a nosso malgrado

À deriva do coração





Tempo, tempus,

Que aprisiona meu pensamento [ onde já não mais posso estar]

Feito ardil bem tramado

De um sentimento descompassado





Tempo, tempus,

Que guarda os semblantes e fatos inacabados

O que outrora descumpriu o pacto

Revigorando lembranças adormecidas



Tempo, tempus

Ainda quando me submete ao crivo da razão

 Frente às memórias despertas

Não me deixa escolhas sensatas às mãos




Tempo, tempus

Se o pendor de tua atuação

É prender-me no labirinto de lembranças enternecidas

Posto-me rendida então


O pássaro errante voa livre e desperto

A loucura não foi em vão.